“É urgente garantir que as pessoas são tratadas a tempo e no serviço certo. E o projeto Ligue Antes, Salve Vidas está a responder a este problema.”
O Serviço Nacional de Saúde apresenta excelentes indicadores. Mas quando olhamos para a utilização dos serviços de urgência, temos uma situação chocante. É urgente garantir que as pessoas são tratadas a tempo e no serviço certo. E o projeto Ligue Antes, Salve Vidas está a responder a este problema. Os resultados obtidos no primeiro mês de implementação apontam já para uma mudança radical no comportamento das pessoas.
Há três pontos fulcrais para a implementação do Ligue Antes, Salve Vidas. Primeiro, a mudança da própria cultura organizacional e a motivação dos profissionais, segundo, a articulação com os cuidados de saúde primários e, terceiro, a comunicação com os utentes. E há duas premissas que ajudam: cobertura integral por médico de família e bons indicadores de acesso a consulta e cirurgia, o que implica trabalho de fundo.
Há ainda que falar com clareza sobre um dos principais desafios com que nos confrontamos diariamente: os recursos humanos. Trabalhar numa Urgência implica muito sacrifício pessoal e exige motivação. É muito frustrante, para um profissional, dedicar um turno de 12 horas a questões de saúde que deveriam ser resolvidas noutros níveis. Se queremos reter os melhores profissionais, é altura de lhes darmos mais condições de trabalho, garantindo que nas Urgências salvam vidas.
Uma história com seis anos
Em 2018, mesmo sem enquadramento legislativo, com ferramentas de suporte amadoras e com um número de vagas limitado, foi implementado, em Barcelos, um modelo de referenciação assente em alguns dos mesmos pressupostos. Em 2020 foi implementado, com algumas modificações, no CHVNGE (Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho).
Em 2023, foram sinalizados, na triagem, 5.145 utentes com critérios para referenciação inversa, tendo 18,5% aceitado o encaminhamento para os cuidados de saúde primários (CSP). A satisfação e a eficácia ficaram demonstradas em questionário realizado telefonicamente, com 79% dos utentes contactados a garantir que, no futuro, com o mesmo problema, iriam diretamente aos CSP. Estes resultados obtidos em 2023 deram-nos a confiança para avançar, em 5 de março de 2024, com o projeto Ligue Antes, Salve Vidas.
Mudança da cultura é prioritária
O projeto Ligue Antes, Salve Vidas foi montado de forma segura, conquistando as nossas equipas para a mudança. A prioridade foi mudar a cultura da própria organização, para apagar a visão da urgência como porta de entrada no SNS.
Foram criadas consultas abertas da especialidade de Medicina Interna, para as quais o médico de família pode referenciar diretamente doentes que necessitem de observação em 48 horas. Contamos alargar esta resposta a outras especialidades para as quais se identifica um universo relevante de situações de doença aguda que não requerem observação no Serviço de Urgência e que devem ter uma resposta, em 48 horas, em ambulatório programado. Deste modo, reduz-se ainda mais o recurso à Urgência e promove-se a integração de cuidados.
Assumimos o risco de pôr o telefone de ligação ao SNS 24 no exterior da Urgência e preparámos as nossas equipas para, vestindo (literalmente) a camisola do projeto, acolher os utentes. Escolhemos uma imagem da campanha, nomeadamente do Padre Albino, nosso capelão, para melhor passar a mensagem.
Referenciação pelo SNS 24 sobe 5 vezes no primeiro mês
Em 2023, antes da implementação do projeto, 62% dos atendimentos na Urgência Geral correspondiam a utentes sem referenciação prévia e 6% a referenciação pelo SNS 24. Mas a mudança foi radical no primeiro mês de implementação do projeto, com 29% dos utentes a serem referenciados pelo SNS 24 e apenas 33% dos utentes a entrarem sem referenciação prévia.
No que concerne à Pediatria, esta evolução foi ainda mais vincada. Se antes, 80% dos utentes não apresentavam referenciação prévia, com o projeto, este número desceu para cerca de 37%. A taxa de utentes referenciados pelo SNS 24 passou de cerca de 8% para perto de 48%.
Entre 5 de março e 5 de abril, foram disponibilizadas 4.121 vagas e agendadas 3.580 consultas de doenças agudas nos cuidados de saúde primários, com proveniência do Serviço de Urgência e do SNS 24.
E o projeto continua a crescer. Esta semana concluímos a instalação de um quiosque eletrónico, uma solução que agiliza o check-in dos utentes e dispensa a ida ao balcão.
Algoritmo dá segurança ao projeto
Mas os números apontam ainda para outra realidade. A média diária de atendimentos na Urgência Geral de Adultos aumentou para 392 no primeiro mês de implementação do projeto, que compara com 386 em 2023 e 341 nos primeiros dois meses deste ano. Relativamente ao número de triagens com cor verde ou azul, fixou-se numa média diária de 99, abaixo dos 102 registados em 2023.
Na Urgência de Pediatria verifica-se uma situação semelhante, com uma média diária de 142 utentes, entre 5 de março e 5 de abril, contra 130 em 2023. Já o número de triagens com cor verde ou azul passou de uma média de 68 em 2023 para 61 no primeiro mês do projeto.
Ou seja, os números indicam que, apesar de mais pessoas ligarem antes para o SNS 24, o algoritmo de referenciação é defensivo e procura dar segurança ao projeto. Estamos confiantes de que a evolução do trabalho e do próprio algoritmo levará a uma diminuição do número de episódios.
Há ainda outro aspeto muito relevante. Em 41 dias de projeto tivemos 2379 pessoas (uma média diária de 58 pessoas) que ficaram em autocuidados e que, por isso, não tiveram de se deslocar. Os profissionais do SNS 24 chamaram a si estes utentes, providenciando cuidados com segurança e conforto. Esta é uma grande vitória e acredito que, com a evolução do algoritmo, o potencial de crescimento é muito grande.
População valoriza resposta dos cuidados primários
O maior desafio da implementação do projeto é assumido pelos profissionais responsáveis pelo atendimento, que dão a cara pelo projeto. Antecipando uma colossal pressão no atendimento presencial, duplicámos a presença da segurança e das forças de autoridade. Mas, na verdade, não observámos qualquer alteração do padrão de comportamento dos nossos utentes, familiares e acompanhantes.
O bom acolhimento da população deve-se, sobretudo, ao empenho das equipas e à campanha de comunicação. A confiança dos utentes tem sido reforçada pelo facto de o projeto decorrer noutras unidades de saúde, de ser muito noticiado pela comunicação social e de contar com o apoio generalizado de todos os quadrantes políticos.
Hoje, os utentes percebem que a segurança está garantida. E, sobretudo, sentem as vantagens de serem atendidos em pouco tempo, no seu centro de saúde, pelo seu médico de família.
Disponível para apadrinhar novos projetos
O diálogo com a Unidade Local de Saúde da Póvoa de Varzim/Vila do Conde, que foi pioneira neste projeto, permitiu-nos antecipar desafios e respostas. Temos recebido muito pedidos de informação de outras unidades locais de saúde e estamos disponíveis para apadrinhar a próxima a implementar o projeto.
Temos trabalhado em estreita articulação com as diversas entidades envolvidas, como a Direção Executiva do SNS e a SPMS. A tensão inicial, causada sobretudo pelos tempos de adequação dos sistemas de informação, foi sendo substituída, ao longo do tempo, pela proximidade, pelo respeito e, sobretudo, por um grande orgulho pelo trabalho desenvolvido e pelos resultados alcançados. Acreditamos que este é apenas o início de uma revolução na forma como prestamos cuidados.
Rui Guimarães, Unidade Local de Saúde de Gaia/Espinho, EPE